O Museu
O Museu do Tesouro Real foi um projeto que nasceu do esforço conjunto da Câmara Municipal de Lisboa, da Associação de Turismo de Lisboa (ATL) e do Património Cultural, que permitiu o desenvolvimento de um equipamento novo, que veio concluir a obra do Palácio da Ajuda, um edifício histórico e Monumento Nacional de grande importância. Foram mais de 200 anos de um edifício por concluir. Com a sua finalização veio permitir a exposição em permanência de um acervo avultado de peças de grande riqueza da coroa portuguesa, que se encontravam guardadas em cofre desde 1910.

Localizado na ala poente do Palácio Nacional da Ajuda, o Museu do Tesouro Real expõe, desde junho de 2022, uma das mais raras e completas coleções de tesouros reais, compostas por joias, insígnias e condecorações, moedas e peças de ourivesaria civil e religiosa, pratas e das mais imponentes e raras baixelas em prata, de estilo francês Rococó do século XVIII, entre outras, incluindo mais de 22 mil pedras preciosas, na sua maioria diamantes.
O projeto de arquitetura conta com a assinatura do arquiteto João Carlos dos Santos, num projeto arquitetónico contemporâneo específico, tanto para adaptar-se ao edifício neoclássico existente, como para garantir a máxima segurança da coleção.

O Cofre
A visita à exposição oferece uma experiência única, pois a coleção está instalada dentro e ao longo de um dos maiores cofres fortes do mundo. Trata-se de uma caixa dourada de três andares, com 40 metros de profundidade, 10 metros de altura e 10 metros de largura, cujas paredes de 2 metros de espessura e as duas portas blindadas em aço, de 5 toneladas cada, criam um ambiente envolto em fascínio e mistério, perfeito para a apresentação da coleção.

A nomeação de joalheiros da coroa
No dia 1 de dezembro de 1887, o Rei D. Luís entrega à casa Leitão & Irmão o título de Joalheiros da Coroa. Desta união resultaram inúmeras encomendas e compras associadas. Contudo, é de notar, que mesmo antes da atribuição deste título a casa Leitão & Irmão, já ourives da Casa Real, recebeu várias encomendas para celebrações da maior importância da Família Real Portuguesa, como o casamento de D. Carlos (maio, 1886) e o batismo do Príncipe Real Luís Filipe (abril, 1887). De realçar que, no alvará de Joalheiros da Coroa, o Rei D. Luís destaca o quanto lhe é grato e a importância de conceder o título à casa Leitão & Irmão, afirmando: «Hei por bem e Me Praz fazer-lhes mercê de os nomear Joalheiros da Coroa.»
As peças Leitão & Irmão em exposição
Transcrição do título de Joalheiros da Corôa atribuído em 1887

Réplica do título de Joalheiros da Coroa, Leitão & Irmão, em exposição permanente no Museu do Tesouro Real a partir de 27 de março de 2025.
Mordomia Mor Secretaria dos Filhamentos
Eu El Rei Faço saber a vós António de Mello, Marquez de Ficalho, Par do Reino, Conselheiro de Estado effectivo, Gram Cruz da antiga e muito nobre ordem da Torre de Espada do lator Lealdade e Mérito da de Nosso Senhor Jesus Christo e de outras estrangeiras, Gentil Homem da Minha Real Camara e Meu Mordomo Mor que attentas as circumstancias, que concorrem em Leitão & Irmão, ourives da Minha Real Casa; Hei por bem e Me Praz Fazer lhes mercê de os Nomear Joalheiros da Coroa, sem vencimento algum pela Fazenda Real, gosando porem de todas as honras e prerogativas que lhes competirem. Mando vos os façais assentar no Livro da Matricula dos Moradores da Minha Casa em seu titulo como dito fica. Paço em vinte e trez de Dezembro de mil oitocentos oitenta e sete.
(assinatura D’El Rei D. Luís)
Marquez Mordomo mor
Alvará pelo qual Vossa Magestade Há por bem Fazer mercê a Leitão & Irmão, ourives da Sua Real Casa, de os Nomear Joalheiros da Coroa.
Para Vossa Magestade Ver
Embora apenas uma pequena parte das peças encomendadas pela coroa e pela família real esteja presente no Museu do Tesouro Real, temos em exibição um conjunto extraordinário de peças que revelam a excelência técnica desta renomada Casa de Ourives. Claro está, que o núcleo expositivo mais representativo de peças Leitão & Irmão é o núcleo das Joias.
Com já referido, antes da entrega do título de joalheiros da Coroa portuguesa, o Rei D. Luís e a Rainha D. Maria Pia vão fazer uma importante encomenda para o batismo do príncipe Luís Filipe. O Príncipe nasce a 21 de março de 1887 no Paço de Belém (atual Palácio Nacional de Belém). Foi uma grande alegria para a família real e população portuguesa o nascimento do filho primogénito de D. Carlos e D. Amélia. Toda a azáfama ficou registada nos jornais da época, como o Diário de Notícias e Diário Illustrado. O batizado solene decorreu a 14 de abril, na capela do Palácio da Ajuda., também devidamente registado nos diários da época.
Entre as peças encomendadas pelo Rei D. Luís, avô e padrinho de batismo do príncipe, encontra-se na exposição o alfinete de peito reversível em ouro, diamantes, esmeraldas, rubis e esmalte. Este apresenta o monograma de D. Luís e D. Maria Pia, «ML», gravado no ouro com diamantes e esmeraldas, e, no verso, a Cruz da Ordem de Cristo acompanhada do lema da Ordem, «IN HOC SIGNO VINCES» (com este símbolo vencerás), e a data do batismo, «14-4-87». Também fazem parte da encomenda três alfinetes de gravata com o mesmo monograma, o lema da Ordem de Cristo e a mesma data.

A este grupo de peças junta-se uma pulseira em ouro, diamantes, esmeraldas e esmalte, com o mesmo monograma, mas, desta vez, com outro lema: o lema da Família de Bragança, «Depois de Vós, Nós». O lema surge ao longo da bracelete da pulseira e, de forma muito original, a palavra “nós” é substituída por dois nós.
A Rainha D. Maria Pia, talvez mais do que o próprio Rei D. Luís, destacou-se como uma das clientes mais entusiastas e fiéis da casa Leitão & Irmão. Não se limitava a encomendar peças exclusivas de joalharia e ourivesaria, mas também adquiria com frequência peças já criadas, demonstrando o seu gosto refinado e a sua verdadeira paixão pela arte da ourivesaria.
D. Maria Pia vai encomendar em 1890, por ocasião da morte do rei a 19 de outubro de 1889, um medalhão de luto. O medalhão em esmalte negro, quando fechado, apresenta o monograma coroado «L1º» cravado a diamantes, quando aberto, o retrato do Rei pintado sobre marfim acompanhado de uma madeixa do seu cabelo. No século XIX era prática comum guardar fios de cabelo, oriundos de um ente querido, e fabricar joias. Eram conhecidas como as “joias de afeto” e podiam ser lembranças especiais de entes queridos vivos ou já falecidos, como é o caso deste medalhão.


O Rei D. Luís faleceu, após uma doença prolongada, em Cascais, e o seu cortejo fúnebre partiu da Cidadela de Cascais no dia 21 de outubro, às 22 horas, em direção aos Jerónimos, acompanhado pela Rainha, membros da corte e do ministério. O cortejo demorou 5 horas a chegar à Igreja de Santa Maria de Belém, onde se encontrava o príncipe D. Carlos, o próximo rei de Portugal. A igreja manteve-se aberta dia e noite até ao funeral, que teve lugar no dia 26, na Igreja de São Vicente de Fora. A escolha dos Jerónimos não é explicada, mas o Diário de Notícias escreveu: «O rei que queria ser marinheiro morreu embalado pelas ondas e repousa no templo consagrado às expedições marítimas portuguesas, junto a Vasco da Gama e a Camões.»

Em novembro de 1892, D. Maria Pia vai desempenhar o papel de Regente do Reino na ausência do Rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia, que de 9 a 18 de novembro estiveram presentes nas celebrações do Centenário de Colombo em Espanha. Durante este curto período D. Maria Pia visitou hospitais, prisões, escolas, navios, quartéis e arsenais, num total de 24 instituições, programa previamente preparado por D. Carlos que sabia que D. Maria Pia suscita simpatias entre a população e confiança no seu senso político.
Ainda no núcleo das Joias, temos a referência a um diadema encomendado à casa Leitão & Irmão por D. Maria Pia, por ocasião do casamento de D. Carlos com D. Amélia, a 22 de maio de 1886. Este imponente diadema floral foi criado com diamantes provenientes da descavação do diadema que D. Pedro ofereceu a D. Estefânia em 1858. O diadema também pertenceu a D. Maria Pia, que o recebeu como presente de D. Luís em 1862. D. Maria Pia usou-o “com brilho” durante os festejos do casamento em Turim, conforme registado na Gazetta del Popolo.


Por último, no núcleo das Ofertas Diplomáticas, encontramos o admirável cofre oferecido ao Príncipe Real D. Luís Filipe em 1907, pelos representantes da agricultura, comércio e indústria de Angola. Esta oferta diplomática foi um gesto de agradecimento pela visita do príncipe às colónias portuguesas de África, numa viagem que durou cerca de três meses. Foi a primeira vez que um membro da família real percorreu as colónias. A viagem foi realizada a bordo do paquete África, passando pela África do Sul, Angola, Moçambique, São Tomé e Cabo Verde. O percurso foi amplamente divulgado pela imprensa portuguesa e angolana da época


O cofre foi manufaturado nas prestigiadas oficinas da Leitão & Irmão, no Bairro Alto, em Lisboa, por dois mestres portugueses: Júlio Rodrigues, chefe da oficina, e o jovem e promissor João da Silva. Esta obra-prima em prata cinzelada exibe um trabalho magnífico e detalhado. Nas suas arestas, destacam-se quatro figuras que representam os povos originários de Angola. O peso do cofre é sustentado por quatro rinocerontes, e no seu topo, quatro presas de marfim se unem ao centro, encimadas pela Coroa Real, conferindo-lhe um toque de majestade e simbolismo.
A diplomacia teve ao longo dos tempos um papel determinante nas relações entre Estados, bem como entre Entidades. À semelhança dos tratados e acordos, os presentes diplomáticos constituem-se como parte e expressão destas relações, com a respetiva carga de significados e simbolismo.
Uma visita a não perder
O Museu do Tesouro Real oferece uma experiência única ao explorar a história e a riqueza da joalharia da Casa Leitão & Irmão, uma das mais prestigiosas do país. Através das suas peças excecionais, que vão desde as encomendas feitas pela Família Real Portuguesa até às ofertas diplomáticas, o museu revela não só a habilidade técnica da oficina Leitão & Irmão, mas também a profundidade simbólica e histórica das peças. O trabalho meticuloso da casa de ourives, combinado com os momentos históricos que marcaram as peças — como a visita de D. Luís Filipe às colónias portuguesas ou os gestos de afeto e respeito da Família Real — permite uma imersão no contexto político, social e cultural de Portugal no século XIX. Assim, a coleção não é apenas um conjunto de joias, mas um testemunho da ligação entre a monarquia, a diplomacia e a arte de criar peças de valor imensurável.
AGRADECEMOS A:

Margarida Barros
Serviço Educativo do Museu do Tesouro Real
Licenciou-se em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e especializou-se em Museologia, Museografia e Curadoria. Trabalhou como mediadora cultural em museus como o Museu Nacional de Arte Antiga, Museu do Dinheiro, Museu da Farmácia, Palácio Nacional de Queluz, Museu Gulbenkian e Museu Judaico de Lisboa. Em 2023, integrou o Serviço Educativo do Museu do Tesouro Real. Sendo a sua paixão pela comunicação e arte, aliada ao compromisso com uma sociedade inclusiva e justa, os pilares da sua carreira.